Após um longo período sem qualquer registro no Rio de Janeiro, o queixada (Tayassu pecari), um mamífero silvestre nativo das florestas tropicais da América Latina, foi documentado novamente na natureza fluminense. A espécie foi avistada na Reserva Biológica Estadual de Araras (Rebio Araras), administrada pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea) e localizada na Região Serrana do Rio. As primeiras imagens foram capturadas em 2021 por meio de armadilhas fotográficas, com confirmação através de monitoramento contínuo nos três anos seguintes. Em junho deste ano, o estudo foi publicado na Revista Científica "Suiform Soundings" da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN).
Essa descoberta é resultado de um programa de monitoramento de mamíferos de médio e grande portes, implementado pela pesquisadora e guarda-parque do Inea, Vanessa Cabral Barbosa.
A iniciativa se baseia em uma metodologia científica abrangente, que inclui coleta sistemática de dados sobre biodiversidade, análise de vestígios e registro da abundância e distribuição das espécies, além de informações sobre o ecossistema e os impactos das atividades humanas. Atualmente, o projeto é conduzido em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
O queixada vive em grandes bandos, que podem reunir de 20 a mais de cem indivíduos. É uma espécie essencial para o ecossistema, pois atua na dispersão de sementes e influencia a estrutura da vegetação. De pelagem escura e com o característico “queixo branco” que inspira seu nome popular, o queixada está classificado como Vulnerável na Lista Vermelha da IUCN, principalmente devido à perda de habitat e à caça. Entre 2021 e 2023, foram registrados bandos com 20 a 60 indivíduos em áreas de floresta contínua, o que reforça a importância dos corredores ecológicos e da proteção dos remanescentes florestais da Mata Atlântica.
Devido à relevância dos dados, a pesquisa foi convidada a integrar a consulta nacional sobre ungulados ameaçados, coordenada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Pela primeira vez, unidades de conservação estaduais participaram oficialmente desse processo técnico-científico, que subsidia a reavaliação da Lista Nacional de Espécies Ameaçadas. Além da Rebio Araras, o Parque Estadual do Cunhambebe, com registros inéditos de anta (Tapirus terrestris), e o Parque Estadual da Pedra Selada também contribuíram.
“A redescoberta dessa espécie demonstra que as unidades de conservação são essenciais para proteger os remanescentes florestais e a diversidade biológica da Mata Atlântica. Por isso, estamos fortalecendo nossas políticas públicas, visando à preservação do nosso patrimônio ambiental”, destacou o secretário de Estado do Ambiente e Sustentabilidade, Bernardo Rossi. A pesquisadora Vanessa Cabral complementou que “o reaparecimento do queixada no Rio de Janeiro demonstra que a conservação baseada em ciência, aliada ao monitoramento sistemático e à cooperação entre pesquisadores, gestores e comunidades, é capaz de reverter cenários de extinção da fauna”. Ela ainda acrescentou que os queixadas desempenham um papel ecológico fundamental, controlando populações de outras espécies e promovendo a regeneração da floresta.
A Reserva Biológica Estadual de Araras, criada em 1977 e ampliada em 2010, está localizada entre os municípios de Petrópolis e Miguel Pereira, na região serrana do Rio de Janeiro. A unidade protege 3.837,81 hectares de remanescentes da Mata Atlântica, e seus principais objetivos são a preservação da biodiversidade, a proteção de nascentes estratégicas e o fomento à pesquisa científica. Por ser uma unidade de proteção integral, a visitação pública não é permitida. A reserva abriga cursos d’água como os rios Araras, Vargem Grande, Ponte Funda e o Córrego Cidade, que integram a Bacia do Rio Piabanha, afluente do Rio Paraíba do Sul.