O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou, nesta quarta-feira (4), o julgamento que definirá a responsabilização das plataformas digitais e empresas de tecnologia por conteúdos publicados por usuários. A sessão foi iniciada com uma declaração do presidente da Corte, ministro Luís Roberto Barroso, que enfatizou a importância do tema e a necessidade de esclarecer o propósito do julgamento. "Gostaria de breve esclarecimento, para que as pessoas possam compreender exatamente do que se trata. Há muita desinformação e muita incompreensão a respeito do que estamos fazendo", afirmou Barroso, ressaltando que o objetivo é "estabelecer os critérios que vão reger os casos que vão chegar ao Judiciário", sem qualquer relação com censura ou invasão de competências de outros Poderes.
Na sequência, o ministro André Mendonça iniciou a leitura de seu voto. O julgamento havia sido suspenso em dezembro de 2024, após Mendonça pedir mais prazo para análise. Sete ministros ainda precisam votar, e um novo pedido de vista, que suspenderia o processo novamente, não está descartado. Nos bastidores, ministros avaliam a possibilidade de antecipar seus votos para firmar posicionamento e contribuir para um consenso.
O que está em debate: O Artigo 19 do Marco Civil da Internet
Os ministros analisam dois recursos que questionam a validade do Artigo 19 do Marco Civil da Internet, em vigor desde 2014. Esse dispositivo legal estabelece que redes sociais e plataformas digitais só são responsabilizadas por danos causados por conteúdos ofensivos publicados por usuários se elas se recusarem a cumprir uma ordem judicial de remoção do conteúdo.
Antes da suspensão, os ministros Dias Toffoli, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso já haviam proferido seus votos, com divergências sobre a constitucionalidade do artigo:
* Dias Toffoli (Relator do primeiro recurso): Votou pela inconstitucionalidade do Artigo 19. Para Toffoli, em casos de conteúdos ofensivos ou ilícitos, como racismo, as plataformas devem agir a partir do momento em que forem notificadas extrajudicialmente pela vítima ou seu advogado, sem necessidade de aguardar uma decisão judicial. Em situações graves, as plataformas deveriam inclusive remover o conteúdo sem notificação prévia. O ministro defendeu que as plataformas devem ser responsabilizadas caso não ajam após a notificação.
* Luiz Fux (Relator do segundo recurso): Também considerou o Artigo 19 inconstitucional. Assim como Toffoli, Fux defendeu a remoção imediata de conteúdos ofensivos ou irregulares assim que a plataforma for notificada pela vítima. Para Fux, são considerados ilícitos conteúdos que veiculem discurso de ódio, racismo, pedofilia, incitação à violência, apologia à abolição violenta do Estado Democrático de Direito e apologia a golpe de Estado. Ele defendeu a responsabilização das plataformas caso não ajam após a notificação extrajudicial e sugeriu que as empresas criem canais para denúncias sigilosas e monitorem ativamente os conteúdos. Fux também rechaçou o argumento de que a remoção de conteúdo ilícito fere a liberdade de expressão.
* Luís Roberto Barroso: Propôs que a responsabilização deve ocorrer quando as empresas deixarem de tomar as providências necessárias para remover postagens com teor criminoso. Para crimes contra a honra (injúria, calúnia e difamação), a remoção só deveria ocorrer após ordem judicial. Barroso também defendeu que as empresas têm o dever de cuidado e precisam evitar conteúdos como pornografia infantil, instigação ou auxílio a suicídio, tráfico de pessoas, atos de terrorismo, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado.
O julgamento segue em andamento, com a expectativa de novos votos e possíveis desdobramentos sobre a forma como a internet será regulamentada no Brasil.