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Aos 90 anos, Professor Ives Gandra Analisa o Brasil sob o olhar do Direito em Exclusiva ao ND1

É com grande honra que contamos hoje com um dos mais respeitados juristas do Brasil, o professor Ives Gandra da Silva Martins.

Maurício Júnior
Por: Maurício Júnior
18/02/2025 às 11h33
Aos 90 anos, Professor Ives Gandra Analisa o Brasil sob o olhar do Direito em Exclusiva ao ND1
Foto: Divulgação / Reprodução

É com grande honra que a coluna Radar ND1 conta hoje com um dos mais respeitados juristas do Brasil, o professor Ives Gandra da Silva Martins. Com uma trajetória acadêmica e profissional invejável, ele é Professor Emérito de diversas instituições de renome, como as universidades Mackenzie, UNIP, UNIFIEO, UNIFMU e das prestigiadas Escola Superior de Guerra (ESG) e Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME).

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Além de seu reconhecimento nacional, sua influência ultrapassa fronteiras, sendo Professor Honorário em universidades na Argentina, Peru e Romênia, Doutor Honoris Causa em instituições no Brasil e no exterior e Catedrático da Universidade do Minho, em Portugal. No campo institucional, presidiu entidades de grande relevância, como a Academia Paulista de Letras (APL) e o Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP), além de estar à frente do Conselho Superior de Direito da FECOMERCIO-SP.

Com uma vasta produção acadêmica e uma carreira marcada pela excelência, sua visão sobre temas jurídicos e institucionais é sempre aguardada com grande interesse. Nesta entrevista, teremos a oportunidade de discutir sua visão sobre o cenário jurídico atual e os desafios do Brasil na área do Direito. Mas antes, gostaríamos de parabenizá-lo pelos seus 90 anos de incontáveis serviços prestados ao país, suas análises profundas e irretocáveis. Posto isso, vamos à entrevista!

  1. ND1 - Reforma Tributária: Quais são os principais desafios jurídicos que o Brasil enfrenta na implementação da reforma tributária prevista para 2025?

    IG - Eu mostrei minhas preocupações com o andamento e futuro da Reforma Tributária em curso, na ocasião do XXI Congresso Nacional de Estudos Tributários do IBET (Reforma Tributária: Valores e Contravalores), afirmando que a mesma provocará não só um aumento de carga tributária, mas uma maior complexidade e incerteza no entendimento dos sistemas dos novos tributos criados, bem como o próprio esvaziamento da Federação como um todo já que a União terá uma competência ampliada com a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), enquanto Estados e principalmente Municípios verão uma redução de sua autonomia financeira e consequentemente administrativa ainda que tenham a competência compartilhada do novo Imposto Sobre Bens e Serviços (ICBS).

  2. ND1 - Equilíbrio Fiscal: Como o novo arcabouço fiscal aprovado em 2023, que limita o crescimento anual das despesas a 2,5%, impacta a sustentabilidade das políticas públicas em áreas essenciais como saúde e educação?

    IG - O arcabouço fiscal é menos rígido que o teto de gastos de Michel Temer, que permitiu a recuperação da economia brasileira, com crescimento médio superior a 2% nos dois anos de seu governo, após uma queda na ordem de 3% ao ano no governo Dilma, em seus dois primeiros anos antes do impeachment.

    Mesmo assim, está sendo desobedecido no seu limite de superação do déficit zero, que é 0,25% ao ano. Nos dois primeiros anos, o déficit primário, sem contar os juros, foi de 1,19%. Ou seja, apesar de flexível, não foi cumprido. Como o governo continua sem cortar despesas, há o risco de crescimento da inflação, já calculada em 5,5% para 2025 pelo mercado.

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  3. ND1 - Dívida Pública e Taxa de Juros: Diante da alta sensibilidade da dívida pública brasileira às taxas de juros, quais medidas jurídicas podem ser adotadas para mitigar os riscos associados ao aumento dos custos de financiamento?

    IG - A mais urgente seria um real corte de gastos e não apenas uma frustrante e aparente redução, que não iludiu o mercado. Economia é um jogo de xadrez, no qual as jogadas são vistas por todos, e não um jogo de pôquer, em que se pode blefar com narrativas.

    O problema econômico do governo não é de comunicação, mas sim de compreender como se atraem investimentos, cortam-se juros e não se gasta o que não se tem. Não é com aumento de tributos e crescimento de empréstimos que poderemos sair da crise atual. Sem políticas fiscal e monetária coerentes, não há crescimento real, desenvolvimento ou competitividade.

  4. ND1 - Regulação da Inteligência Artificial: Com o avanço da inteligência artificial no setor jurídico, quais são as principais considerações éticas e legais que devem ser abordadas para garantir uma aplicação justa e responsável dessa tecnologia?

    IG - Trata-se de um campo novo que trará inúmeros desafios. Por enquanto, temos velocidade na comunicação matemática com imitação, no campo da física, de reações humanas. O problema será quando puderem ser imitadas reações químicas do organismo, com implicações até mesmo sentimentais robotizadas. Com o tempo, poderemos chegar à preocupante observação de Umberto Eco de que o homem seria um ser descartável, pois a IA faria melhor tudo o que o ser humano faz, sem greves ou questões trabalhistas. Estamos apenas no início.

  5. ND1 - Proteção de Dados e LGPD: Como a Lei Geral de Proteção de Dados tem sido aplicada até agora e quais são as expectativas para sua evolução e impacto nas relações comerciais e de trabalho em 2025?

    IG - O número de hackers deve crescer, pois esta é uma geração que substituiu os livros pela comunicação eletrônica e pela velocidade do conhecimento sobre cada vez mais de cada vez menos. A LGPD é importante e terá que ser permanentemente aperfeiçoada, mas estará sempre atrás da "velocidade hackeriana".

  6. ND1 - Compliance e ESG: De que maneira as práticas de compliance e os critérios ambientais, sociais e de governança (ESG) estão influenciando a responsabilidade corporativa e quais são as implicações jurídicas para as empresas que não se adaptam a essas tendências?

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    IG - Tem melhorado as relações empresariais, mas o compliance, embora importante, encontra uma limitação constante na teoria da sobrevivência empresarial. Seus critérios ESG nem todas as empresas conseguem acompanhar. Konrad Hesse, jurista alemão, tinha uma célebre frase para aqueles momentos em que a lei não conseguia acompanhar os fatos: "A necessidade não conhece princípios".

  7. ND1 - Cibersegurança: Considerando o aumento das ameaças cibernéticas, quais são as obrigações legais das empresas em termos de proteção de dados e quais as consequências jurídicas em caso de violações?

    IG - Mais do que o combate, a prevenção deverá ser o maior campo de investimentos na área. Por maiores que sejam as obrigações e as penalidades, o mais importante é confiar em um sistema ativo, bem articulado, de prevenção aos crimes cibernéticos, haja vista a potencialidade de prejuízos consideráveis nas atividades empresariais.

    Neste campo, com o futuro aumento de hackers, todo o esforço deve estar direcionado para um sistema preventivo sólido. É melhor contar com a prevenção do que com a lei.

  8. ND1 - Transformação Digital no Direito: Como a transformação digital está remodelando a prática jurídica no Brasil e quais são os desafios e oportunidades para os profissionais do direito nesse novo cenário?

    IG - Com o excesso de judicialização, poderemos chegar ao que Virgil Gheorghiu, no seu romance A 25ª Hora, apresentou sobre a desnecessidade de juízes para julgar os prisioneiros de guerra, bastando utilizar respostas já preparadas em gravadores, em um sistema ainda rudimentar de gravação em 1945. Há um risco de magistrados terceirizarem para a IA o trabalho de julgar, o Ministério Público de acusar e os advogados de defenderem seus clientes.

    Um rígido controle será necessário sobre a utilização da IA, mas o risco será tanto maior quanto melhor for sua evolução.

  9. ND1 - Reindustrialização e Sustentabilidade: Quais são os desafios jurídicos associados aos esforços de reindustrialização do Brasil, especialmente no que tange à implementação de práticas sustentáveis e ao cumprimento de acordos internacionais?

    IG - O problema brasileiro, a meu ver, é a burocracia oficial, cada vez mais geradora de regulamentações desnecessárias, de um peso considerável de custo para a sociedade e de uma crescente utilização da burocracia não profissional, formada de "amigos do rei", que dificulta empreendimentos. Uma ineficiência burocrática pública prejudica a eficiência empresarial, tornando o custo-Brasil cada vez mais pesado e menos competitivo em relação ao mundo.

    Para controlar a burocracia oficial, vale lembrar Monteiro Lobato, quando dizia: "Ou o Brasil mata a saúva ou a saúva mata o Brasil". Da mesma forma, ou o Brasil liquida a burocracia pública ineficiente ou ela liquidará o Brasil.

  10. ND1 - Regulação de Grandes Tecnológicas: Diante das discussões sobre a tributação de grandes empresas de tecnologia, quais são os desafios jurídicos e as possíveis consequências dessa medida para o ambiente de negócios no Brasil?

IG - Quanto mais tributarmos as empresas de tecnologia, mais perderemos competitividade na globalização econômica. E quanto mais limitarmos a liberdade de expressão nas grandes plataformas, mais destruiremos o espírito criativo brasileiro, que irá para outros países, e prejudicaremos o que resta de democracia.

Os problemas do Brasil são enormes, mas sua potencialidade também é. Se não tivermos dirigentes públicos cultos e envolvidos no conhecimento universal em todas as áreas, e continuarmos defendendo teses do século XIX, sacrificaremos o futuro das próximas gerações.

Como dizia Roberto Campos, o avô: "A inteligência tem limites, mas a estupidez não".

 

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