Pressionado a reagir com a agilidade à destruição sem precedentes do Rio Grande do Sul, o governo federal tem anunciado dezenas de bilhões de reais em ações de socorro ao Estado, que incluem linhas de crédito (empréstimos a empresas e produtores rurais), recuperação de estradas, compras de medicamentos, auxílio direto a famílias no valor de R$ 5,1 mil e a suspensão do pagamento da dívida gaúcha com a União.
Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil avaliam que as medidas têm ido na direção certa, embora ainda sejam insuficientes diante do tamanho da catástrofe –algo que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reconhece.
O valor total das medidas anunciadas, porém, não está claro, devido a informações imprecisas e contraditórias divulgadas pelo governo.
Uma análise feita pela BBC News Brasil – e corroborada por especialistas em contas públicas ouvidos pela reportagem – identificou que conteúdos de canais oficiais, como o portal Gov.br e perfis de autoridades em redes sociais, superestimam o esforço federal no socorro ao Rio Grande do Sul.
Na avaliação de economistas entrevistados, a comunicação da gestão Lula está inflando em dezenas de bilhões de reais os valores federais disponibilizados ao considerar que linhas de crédito anunciadas, operadas por bancos públicos e privados, seriam "investimentos do governo federal" ou "recursos destinados" ao Estado.
Além disso, canais oficiais do governo e de ministros de Estado divulgaram a partir de domingo (12/5) que o governo já teria destinado mais de R$ 62 bilhões em ações para enfrentar a crise socioambiental gaúcha, sem detalhar o que está contabilizado nesses valores.
Para um dos especialistas em contas públicas entrevistados, esse cálculo teria contabilizado algumas ações duas vezes, inflando os números em ao menos R$ 7 bilhões.
O maior volume projetado (R$ 30 bilhões) é para o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe), criado em 2020, para oferecer crédito barato a empresas na pandemia de covid-19.
Relatório com dados do Pronampe mostra que bancos controlados pela União, como Caixa e Banco do Brasil, respondem por 54,5% dos empréstimos concedidos desde 2020 (R$ 144,6 bilhões), enquanto os valores restantes vêm majoritariamente de instituições privadas (Itaú, Bradesco, Santander e outros) e alguns bancos estaduais.
Embora Haddad tenha explicado no anúncio do pacote que esses R$ 39 bilhões seriam linhas de crédito, todo o montante anunciado foi classificado como "investimentos do governo federal no Rio Grande do Sul" em contas oficias de ministros de Lula e do próprio presidente.
A reportagem lista a seguir alguns exemplos:
No dia do anúncio, o então ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social, Paulo Pimenta, compartilhou na rede social X:
"AGORA: Presidente @lulaoficial anuncia R$ 50,9 bilhões em investimentos do governo federal para o Rio Grande do Sul. Os investimentos se destinam a trabalhadores assalariados, beneficiários de programas sociais, produtores rurais, empresas, municípios e estado do Rio Grande do Sul. #ForçaRS."
Na quarta-feira (15/5), Pimenta mudou de função ao ser nomeado ministro da Secretaria Extraordinária da Presidência da República de Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul.
Já a conta do presidente Lula compartilhou na mesma rede a seguinte mensagem: "Durante a cerimônia de anúncio de R$ 50,9 bilhões em investimentos do governo federal para o Rio Grande do Sul, soube pela @JanjaLula que o cavalo Caramelo está sendo resgatado do telhado".
O Ministério da Fazenda, por sua vez, divulgou tanto em sua rede social como em sua página de notícias a informação de que "ao todo, as iniciativas representam um impacto de R$ 50,945 bilhões em recursos cedidos ao Estado", numa linguagem que sugere que os valores foram diretamente transferidos ao Rio Grande do Sul, apesar de o pacote envolver tributos adiados que terão que ser pagos posteriormente e potenciais linhas de crédito.
Após questionamento da BBC News Brasil, a Fazenda corrigiu o texto em seu site e deletou o post na rede social X.
"O Ministério da Fazenda atuou diretamente na concepção e formulação das medidas para reconstrução do Rio Grande do Sul. Sobre o conteúdo mencionado, o objetivo foi dar transparência a essas medidas, que incluem o acesso a crédito mais barato para agricultores e empresas e que, sem o recurso do Tesouro, não chegaria a quem foi afetado", disse o ministério em nota à reportagem.
A pasta disse ainda que, no lugar do termo "cedidos", deveria ter informado que os valores seriam "viabilizados" pelas ações adotadas pelo governo.
Já a Secom não respondeu por que Lula e Pimenta se referem ao pacote como "investimentos do governo federal".